O  S     P  L  A  N  E  T  A  S                  
emanuel dimas de melo pimenta
música . 2023
   
     
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concerto e filme
 
emanuel pimenta
 

Quão vastos esses Orbes devem ser, e quão insignificante é esta Terra, o Teatro sobre o qual todos os nossos poderosos Desígnios, todas as nossas Navegações, e todas as nossas Guerras são transaccionadas, quando comparada com eles. Uma consideração muito adequada, e matéria de reflexão, para aqueles Reis e Príncipes que sacrificam as Vidas de tantas Pessoas, apenas para lisonjearem a sua Ambição em serem Mestres de algum canto miserável deste pequeno Lugar.
Christiaan Huygens, Cosmotheoros: ou conjecturas sobre os habitantes dos planetas (1698)

Os Planetas é um projeto sobre o Sistema Solar. Acompanhei à distância a elaboração do Telescópio James Webb, por notícias publicadas. E passei a seguir quase diariamente as suas descobertas a partir do seu lançamento em 2021. Quantas descobertas! Que magnífica transformação da nossa visão do Universo!
Sem fazer qualquer comparação com o divino Joseph Haydn, que viveu entre 1732 e 1809 e que foi mestre e grande amigo de Mozart, não pude deixar de pensar no seu famoso encontro com William Herschel, que viveu entre 1738 e 1822. Herschel foi não apenas um grande astrônomo - descobridor de Urano, das luas de Saturno e da radiação infravermelha por exemplo - mas também um genial compositor e o construtor do mais potente telescópio do mundo na sua época.
Haydn estava em Londres e visitou Herschel. Conto a história no meu livro Música - Uma Breve História do Pensamento Musical Ocidental, publicado em 2014.
Daquele encontro entre Herschel, seu telescópio e Haydn nasceu, depois de cerca de seis anos de trabalho intenso, a A Criação após o que Haydn caiu doente, tamanha energia tinha dedicado a essa obra.
Nessa época, Haydn escreveu: "Nunca fui tão devoto como quando compus A Criação. Ajoelhava-me todos os dias para pedir a Deus que me desse força para o meu trabalho... Quando estava trabalhando em A Criação, sentia-me tão impregnado da certeza divina que, antes de me sentar ao piano, rezava silenciosa e confiantemente a Deus para que me concedesse o talento necessário O louvar dignamente".
Olhe para o céu. Não é o mesmo que sentimos todos?
Nunca me tornei um astrônomo, nem mesmo amador. Quando era criança meu pai comprou um telescópio, com o qual viajávamos pelo céu. Mas o equipamento era pequeno e eu não conhecia os segredos daquele maravilhoso Universo. Não sabia para onde olhar e o quê eu via.
Muitos anos mais tarde, eu estava em Itália, no Chianti, em casa do querido amigo, poeta, arquiteto e artista Aldo Roda, grande conhecedor do pensamento de Rudolf Steiner, que viveu entre 1861 e 1925. Íamos à cobertura da sua casa e nos maravilhávamos profundamente em viagens pelo céu tendo a ele como guia.
Eram viagens deliciosas.
Como não poderia me encantar com o telescópio James Webb? O Hubble já tinha sido uma forte referência na minha vida, como seguramente nas vidas de todos nós.
Como não ter em mente Hipátia? Um pensamento atribuído à célebre astrônoma grega, torturada e assassinada por miseráveis em fúria pelo poder, é: "A vida é crescimento, e quanto mais viajamos, mais verdade podemos compreender. Compreender as coisas que nos rodeiam é a melhor preparação para compreender as coisas que estão para além de nós".
A primeira vez que pensei em fazer uma composição musical relacionada ao espaço sideral foi quando recebi, creio que em 1995, uma gravação de Saturno, enviada pelo engenheiro astronáutico americano Louis Friedman. Ele tinha criado em 1980 a Planetary Society com Carl Sagan e Bruce C. Murray. Eu os tinha contatado pois o meu projeto Woiksed, o primeiro planeta virtual na História, o início do chamado metaverso. Aquele meu projeto, iniciado em 1980, tinha recebido um importante prêmio internacional um ano antes. Infelizmente, não houve possibilidade de uma colaboração com a Planetary Society, mas muito gentilmente ele me enviou aquela gravação.
Dois anos depois eu compunha SETI - um concerto feito exclusivamente com sons extraterrestres. Esse concerto teve a première mundial em Geneve pouco depois.
A informação do "som" de Saturno que Louis Friendman me enviou foi uma conversão das ondas eletromagnéticas para um perfil de frequência dentro do nosso espectro de audição.
Esse material serviu de base para a composição.
Elaborei outras composições seguindo o mesmo princípio, tal como a ópera Metamorphosis que utilizou os "sons" captados fora do Sistema Solar e que foi feita em parceria com meu querido amigo, o filósofo suíço René Berger, responsável pelo libreto, em 2009. A ópera Metamorphosis teve a sua première mundial em Nova Iorque, na Experimental Intermedia Foundation, em 2016, sob direção e curadoria do compositor Phill Niblock, outro querido amigo.
A partir de 2020 a NASA passou a fazer regularmente, com a colaboração de músicos, a "sonificação" das frequências captadas de diversos astros.
Vi como se processavam algumas "sonificações" e não é disso que se trata aqui.
Os elementos captados, em ondas eletromagnéticas ou dentro do espectro sonoro da audição, revelam fatores como flutuações de frequência e irregularidades no tempo. Eles fatores diferenciais são usados como referência para a composição, que é feita por um ser humano - neste caso eu - e não por algoritmos.
Portanto, não se trata de uma "sonificação" - sem atribuir aqui qualquer julgamento de valor a elas!
Toda a composição segue uma pulsação de cerca de 41 BPM, um movimento grave, mas tanto a pulsação é ligeiramente irregular como as células rítmicas produzidas são "orientais", ou seja trocam valores entre si.
41 BPM é um valor bem abaixo da pulsação cardíaca em descanso em pessoas adultas que não são atletas. O valor basal para pessoas normais, portanto em descanso, gira em torno de 60 BPM. Quando ouvimos uma pulsação mais baixa, tendemos a reduzir a nossa pulsação para valores de relaxamento.
O processo de composição foi inicialmente utilizar as "traduções" feitas pela NASA das emissões de frequências eletromagnéticas em espectro sonoro dentro do nosso espectro de audição. Então, esse conjunto de sons, dos oito planetas, foram novamente "traduzidos"; desta vez para dados de frequência e de tempo. O que me interessou foi o vazio entre esses dados de informação.
Todo esse processo me fez imediatamente lembrar Mozart quando dizia: "The music is not in the notes, but in the silence between".
Esses dados relacionais, dos vazios entre frequências e tempo, foi a base da composição, que operou oito sistemas independentes de sons - um para cada planeta.
O resultado foi surpreendente em termos das frequências, cujas relações tantas vezes consonantes nos fazem lembrar Kepler; e do tempo - cujas relações nos trazem, para além da pulsação que confere um poderoso elemento de unidade, uma grande riqueza rítmica.
A música é totalmente diferente, do início ao fim, mas temos a sensação de ser igual... ou "quase" igual. Ela é de um caráter profundamente meditativo... mas aquele que ouve está sempre sob uma contínua relativa tensão.
Não se tratou das frequências em si mesmas, mas das "distâncias", dos "silêncios" que as separavam... no tempo e no espaço.

Os Planetas é um composição meditativa.
No início do século XXI o tempo perdeu valor. Tudo deve ser rápido. Um professor universitário da área de cinema me dizia, há alguns meses, que se um aluno não fosse capaz de fazer filmes com poucos segundos, de nada adiantaria estudar cinema. "As pessoas não têm tempo! Tudo deve funcionar num telefone celular!" - ele disse.
As pessoas estão parando de ler livros, basta perguntar ao seu telefone celular; muitas pessoas não têm paciência para cozinhar, e passam a comer alimentos industrializados, mais "rápidos". Há alguns anos, outro professor, da área de audiovisuais, dizia que documentários históricos não faziam qualquer sentido porque eram "tempo perdido" - as pessoas já sabiam o que era necessário, para que mais?
Mas, o tempo é fundamental - é, com a saúde, seguramente, o que de mais fundamental temos na vida. Sem tempo não se pode namorar, não se pode escrever um livro, estudar, elaborar uma composição musical, admirar uma obra de arte, admirar um por ou um nascer do Sol, aprender, estar com nossos amigos, não se pode ouvir música, ler livros, mergulhar em obras de arte...
Tempo é o que chamamos de "qualidade". Não há qualidade de vida ou de pensamento sem tempo livre.
Por isso, tal como muitos dos meus outros trabalhos, Os Planetas é uma obra para um longo tempo de meditação - como também eram tantas obras de Haydn, por exemplo.
Assim que terminei as gravações há poucos dias, fui surpreendido por algo inusitado. A gravação final tinha 2 horas, 22 minutos e 2 segundos!
Fui procurar o que significava o número 2222.
Em 1890. James Strong, professor de teologia exegética, publicou The Exhaustive Concordance of the Bible, um índice de todas as palavras na Bíblia. Sob o número 2222 encontramos: "2222 zo? - vida (física e espiritual). Toda a vida (2222 /zo?), em todo o Universo, é derivada - ou seja, provém sempre (apenas) da vida auto-existente de Deus e é por ela sustentada. O Senhor partilha intimamente o Seu dom da vida com as pessoas, criando cada uma à Sua imagem, o que dá a todas a capacidade de conhecer a Sua vida eterna".
Depois, fiz uma busca em alguns livros místicos. Diziam que o número 2222 era muito favorável a todos.
Naquele meu livro Música - Uma Breve História do Pensamento Musical Ocidental eu também conto a história de Johannes Kepler e a sua visão do Sistema Solar. Ela era fundamentada na Música das Esferas - números e relações mágicas.
Kepler dizia que "cada planeta tem a sua alma individual, com a ajuda da qual a estrela ascenderia no seu circuito".
Aqui a versão da composição, com um filme que fiz com imagens dos planetas do nosso sistema solar feitas pela NASA, tem apenas 40 minutos.
Boa viagem!

Emanuel Dimas de Melo Pimenta, 2023