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Quão vastos esses
Orbes devem ser, e quão insignificante é esta Terra,
o Teatro sobre o qual todos os nossos poderosos Desígnios,
todas as nossas Navegações, e todas as nossas Guerras
são transaccionadas, quando comparada com eles. Uma consideração
muito adequada, e matéria de reflexão, para aqueles
Reis e Príncipes que sacrificam as Vidas de tantas Pessoas,
apenas para lisonjearem a sua Ambição em serem
Mestres de algum canto miserável deste pequeno Lugar.
Christiaan Huygens, Cosmotheoros: ou conjecturas sobre os habitantes
dos planetas (1698)
Os Planetas é
um projeto sobre o Sistema Solar. Acompanhei à distância
a elaboração do Telescópio James Webb, por
notícias publicadas. E passei a seguir quase diariamente
as suas descobertas a partir do seu lançamento em 2021.
Quantas descobertas! Que magnífica transformação
da nossa visão do Universo!
Sem fazer qualquer comparação com o divino Joseph
Haydn, que viveu entre 1732 e 1809 e que foi mestre e grande
amigo de Mozart, não pude deixar de pensar no seu famoso
encontro com William Herschel, que viveu entre 1738 e 1822. Herschel
foi não apenas um grande astrônomo - descobridor
de Urano, das luas de Saturno e da radiação infravermelha
por exemplo - mas também um genial compositor e o construtor
do mais potente telescópio do mundo na sua época.
Haydn estava em Londres e visitou Herschel. Conto a história
no meu livro Música - Uma Breve História do Pensamento
Musical Ocidental, publicado em 2014.
Daquele encontro entre Herschel, seu telescópio e Haydn
nasceu, depois de cerca de seis anos de trabalho intenso, a A
Criação após o que Haydn caiu doente, tamanha
energia tinha dedicado a essa obra.
Nessa época, Haydn escreveu: "Nunca fui tão
devoto como quando compus A Criação. Ajoelhava-me
todos os dias para pedir a Deus que me desse força para
o meu trabalho... Quando estava trabalhando em A Criação,
sentia-me tão impregnado da certeza divina que, antes
de me sentar ao piano, rezava silenciosa e confiantemente a Deus
para que me concedesse o talento necessário O louvar dignamente".
Olhe para o céu. Não é o mesmo que sentimos
todos?
Nunca me tornei um astrônomo, nem mesmo amador. Quando
era criança meu pai comprou um telescópio, com
o qual viajávamos pelo céu. Mas o equipamento era
pequeno e eu não conhecia os segredos daquele maravilhoso
Universo. Não sabia para onde olhar e o quê eu via.
Muitos anos mais tarde, eu estava em Itália, no Chianti,
em casa do querido amigo, poeta, arquiteto e artista Aldo Roda,
grande conhecedor do pensamento de Rudolf Steiner, que viveu
entre 1861 e 1925. Íamos à cobertura da sua casa
e nos maravilhávamos profundamente em viagens pelo céu
tendo a ele como guia.
Eram viagens deliciosas.
Como não poderia me encantar com o telescópio James
Webb? O Hubble já tinha sido uma forte referência
na minha vida, como seguramente nas vidas de todos nós.
Como não ter em mente Hipátia? Um pensamento atribuído
à célebre astrônoma grega, torturada e assassinada
por miseráveis em fúria pelo poder, é: "A
vida é crescimento, e quanto mais viajamos, mais verdade
podemos compreender. Compreender as coisas que nos rodeiam é
a melhor preparação para compreender as coisas
que estão para além de nós".
A primeira vez que pensei em fazer uma composição
musical relacionada ao espaço sideral foi quando recebi,
creio que em 1995, uma gravação de Saturno, enviada
pelo engenheiro astronáutico americano Louis Friedman.
Ele tinha criado em 1980 a Planetary Society com Carl Sagan e
Bruce C. Murray. Eu os tinha contatado pois o meu projeto Woiksed,
o primeiro planeta virtual na História, o início
do chamado metaverso. Aquele meu projeto, iniciado em 1980, tinha
recebido um importante prêmio internacional um ano antes.
Infelizmente, não houve possibilidade de uma colaboração
com a Planetary Society, mas muito gentilmente ele me enviou
aquela gravação.
Dois anos depois eu compunha SETI - um concerto feito exclusivamente
com sons extraterrestres. Esse concerto teve a première
mundial em Geneve pouco depois.
A informação do "som" de Saturno que
Louis Friendman me enviou foi uma conversão das ondas
eletromagnéticas para um perfil de frequência dentro
do nosso espectro de audição.
Esse material serviu de base para a composição.
Elaborei outras composições seguindo o mesmo princípio,
tal como a ópera Metamorphosis que utilizou os "sons"
captados fora do Sistema Solar e que foi feita em parceria com
meu querido amigo, o filósofo suíço René
Berger, responsável pelo libreto, em 2009. A ópera
Metamorphosis teve a sua première mundial em Nova Iorque,
na Experimental Intermedia Foundation, em 2016, sob direção
e curadoria do compositor Phill Niblock, outro querido amigo.
A partir de 2020 a NASA passou a fazer regularmente, com a colaboração
de músicos, a "sonificação" das
frequências captadas de diversos astros.
Vi como se processavam algumas "sonificações"
e não é disso que se trata aqui.
Os elementos captados, em ondas eletromagnéticas ou dentro
do espectro sonoro da audição, revelam fatores
como flutuações de frequência e irregularidades
no tempo. Eles fatores diferenciais são usados como referência
para a composição, que é feita por um ser
humano - neste caso eu - e não por algoritmos.
Portanto, não se trata de uma "sonificação"
- sem atribuir aqui qualquer julgamento de valor a elas!
Toda a composição segue uma pulsação
de cerca de 41 BPM, um movimento grave, mas tanto a pulsação
é ligeiramente irregular como as células rítmicas
produzidas são "orientais", ou seja trocam valores
entre si.
41 BPM é um valor bem abaixo da pulsação
cardíaca em descanso em pessoas adultas que não
são atletas. O valor basal para pessoas normais, portanto
em descanso, gira em torno de 60 BPM. Quando ouvimos uma pulsação
mais baixa, tendemos a reduzir a nossa pulsação
para valores de relaxamento.
O processo de composição foi inicialmente utilizar
as "traduções" feitas pela NASA das emissões
de frequências eletromagnéticas em espectro sonoro
dentro do nosso espectro de audição. Então,
esse conjunto de sons, dos oito planetas, foram novamente "traduzidos";
desta vez para dados de frequência e de tempo. O que me
interessou foi o vazio entre esses dados de informação.
Todo esse processo me fez imediatamente lembrar Mozart quando
dizia: "The music is not in the notes, but in the silence
between".
Esses dados relacionais, dos vazios entre frequências e
tempo, foi a base da composição, que operou oito
sistemas independentes de sons - um para cada planeta.
O resultado foi surpreendente em termos das frequências,
cujas relações tantas vezes consonantes nos fazem
lembrar Kepler; e do tempo - cujas relações nos
trazem, para além da pulsação que confere
um poderoso elemento de unidade, uma grande riqueza rítmica.
A música é totalmente diferente, do início
ao fim, mas temos a sensação de ser igual... ou
"quase" igual. Ela é de um caráter profundamente
meditativo... mas aquele que ouve está sempre sob uma
contínua relativa tensão.
Não se tratou das frequências em si mesmas, mas
das "distâncias", dos "silêncios"
que as separavam... no tempo e no espaço.
Os Planetas é
um composição meditativa.
No início do século XXI o tempo perdeu valor. Tudo
deve ser rápido. Um professor universitário da
área de cinema me dizia, há alguns meses, que se
um aluno não fosse capaz de fazer filmes com poucos segundos,
de nada adiantaria estudar cinema. "As pessoas não
têm tempo! Tudo deve funcionar num telefone celular!"
- ele disse.
As pessoas estão parando de ler livros, basta perguntar
ao seu telefone celular; muitas pessoas não têm
paciência para cozinhar, e passam a comer alimentos industrializados,
mais "rápidos". Há alguns anos, outro
professor, da área de audiovisuais, dizia que documentários
históricos não faziam qualquer sentido porque eram
"tempo perdido" - as pessoas já sabiam o que
era necessário, para que mais?
Mas, o tempo é fundamental - é, com a saúde,
seguramente, o que de mais fundamental temos na vida. Sem tempo
não se pode namorar, não se pode escrever um livro,
estudar, elaborar uma composição musical, admirar
uma obra de arte, admirar um por ou um nascer do Sol, aprender,
estar com nossos amigos, não se pode ouvir música,
ler livros, mergulhar em obras de arte...
Tempo é o que chamamos de "qualidade". Não
há qualidade de vida ou de pensamento sem tempo livre.
Por isso, tal como muitos dos meus outros trabalhos, Os Planetas
é uma obra para um longo tempo de meditação
- como também eram tantas obras de Haydn, por exemplo.
Assim que terminei as gravações há poucos
dias, fui surpreendido por algo inusitado. A gravação
final tinha 2 horas, 22 minutos e 2 segundos!
Fui procurar o que significava o número 2222.
Em 1890. James Strong, professor de teologia exegética,
publicou The Exhaustive Concordance of the Bible, um índice
de todas as palavras na Bíblia. Sob o número 2222
encontramos: "2222 zo? - vida (física e espiritual).
Toda a vida (2222 /zo?), em todo o Universo, é derivada
- ou seja, provém sempre (apenas) da vida auto-existente
de Deus e é por ela sustentada. O Senhor partilha intimamente
o Seu dom da vida com as pessoas, criando cada uma à Sua
imagem, o que dá a todas a capacidade de conhecer a Sua
vida eterna".
Depois, fiz uma busca em alguns livros místicos. Diziam
que o número 2222 era muito favorável a todos.
Naquele meu livro Música - Uma Breve História do
Pensamento Musical Ocidental eu também conto a história
de Johannes Kepler e a sua visão do Sistema Solar. Ela
era fundamentada na Música das Esferas - números
e relações mágicas.
Kepler dizia que "cada planeta tem a sua alma individual,
com a ajuda da qual a estrela ascenderia no seu circuito".
Aqui a versão da composição, com um filme
que fiz com imagens dos planetas do nosso sistema solar feitas
pela NASA, tem apenas 40 minutos.
Boa viagem!
Emanuel Dimas
de Melo Pimenta, 2023
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