AMORES
uma ilha flutuante para lisboa
emanuel dimas de melo pimenta
o grande estuário
lisboa | 2005
galeria de arte contemporânea quadrum
novembro | 30 | 2005 | 18:30
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Amores - uma ilha flutuante para Lisboa
Emanuel Dimas de Melo Pimenta
Era um dia de sol
em Lisboa quando o António Cerveira Pinto e eu fomos almoçar
num restaurante próximo da Quadrum.
Ele contou-me do seu grande projecto para uma cidade sem petróleo,
para os Jogos Olímpicos em Lisboa em 2020.
Mergulhei nas suas palavras, ideias, sonhos com a mesma luz dos
seus projectos - da sua grande obra transdisciplinar, transcultural
e transmediática.
Uma verdadeira escultura social, como diria Joseph Beuys.
Tudo girando em torno do maravilhoso estuário do Tejo.
O brilho dos seus olhos revelou-me, rapidamente, a mágica
do seu projecto encantador.
Convidou-me para elaborar um projecto de arquitectura, integrando-se
nessa grande obra, de muitos pensares, muitos sons, muitas imagens
e pessoas e mundos.
Aceitei imediatamente.
Eu tinha concluído um outro projecto - um núcleo
de criatividade, mutante e desprogramável, flutuante no
Lago Maggiore, na fronteira da Suíça com a Itália,
próximo de Locarno, onde sou residente já há
alguns anos.
Um centro de arte e cultura, flutuante, móvel, permanente
metamorfose, para ser lançado junto a Roy Ascott e a ArtEtics,
em Inglaterra.
Esse projecto, nos Alpes, opera novos materiais inteligentes,
criados com o uso da nanotecnologia.
António maravilhou-se, tal como eu maravilhei-me com a
sua grande obra.
Isso aconteceu no início de 2005.
Foi óptimo esse reencontro com o António - fez-nos
resgatar o nosso primeiro encontro no CyberFestival de Lisboa
em 1996.
De lá para cá, fomos nos encontrando aqui e ali
- em 2001 quando ele trouxe a Portugal, pela primeira vez, um
grande artista conceptual Americano, velho amigo meu, William
Anastasi.
Múltiplas e coerentes sensibilidades, livres do pejo das
pequenas e, sempre, incompetentes máfias, grupos fechados,
domínios de podres poderes.
O nosso encontro que desencadeou o meu projecto em colaboração
ao Grande Estuário nasceu da amizade, da mútua
admiração, da liberdade, daquilo que Confúcio
designava como a excelência de todas as relações
- humanas ou não humanas - a reciprocidade.
O segundo encontro, no contexto desse projecto, foi outro almoço
- como não poderia deixar de ser. Junto à mesa,
ao vinho, aos sabores e palavras, junto ao Tejo.
Era outro dia mágico, de sol - como tantos são
em Lisboa.
Descrevi-lhe o meu projecto - um edifício flutuante, que
pode crescer ou diminuir, mover-se de e para qualquer ponto,
de superfície irregular, utilizando o movimento das águas
e do ar como gerador de energia, fazendo das flutuações
e diferenças de temperatura outro elemento importante,
utilizando a luz e o calor como energia, constituindo um organismo
onde tudo pode acontecer.
Um espaço desprogramável, humano, onde podem existir
salas de cinema, restaurantes, auditórios, hotéis,
livrarias, estádios desportivos, núcleos comerciais,
exposições - um espaço total.
Programa sempre recriado e transformado.
Edifício coberto por grandes telas - como espécies
de velas - que são acumuladores de energia através
da força dos ventos.
Construção para um mundo livre do petróleo.
E, embora trate-se claramente de um projecto que implica a noção
de uma possibilidade total de transformações, metamorfose
contínua, é em si a materialização
da ideia da liberdade - ideia que recebemos dos antigos Gregos,
segundo a qual cada pessoa deve estabelecer os seus próprios
limites, as suas próprias fronteiras.
Por isso, um projecto mutante.
Projecto sem implicações em termos de impacto ambiental.
Qualquer presença, humana ou não humana, significa
impacto ambiental.
Ambiente enquanto humanidade.
Projecto aberto para arquitectos, urbanistas, artistas, economistas,
biólogos e muitos outros, na sua elaboração
contínua.
Jogo de soma não zero.
Nascendo de um núcleo, uma célula navegável
- a agregação e desagregação de um
grande número de outras células.
Tudo formando uma estrutura que modifica-se segundo a permanente
criatividade numa abordagem transdisciplinar.
Edifício cuja forma irregular potencializa a acumulação
de energia gerada pelo movimento das águas e pelos ventos.
Faces que também são acumuladores de energia solar.
Grandes telas flexíveis que funcionam como acumuladores
de energia eólica.
Módulo como octaedro - flutuante, que pode superpor-se
livremente com outras células, possibilitando a geração
de pisos, paredes e equipamentos de forma independente e mutável.
Estrutura de edifício que não é mais, obrigatoriamente,
cobertura, vedação, parede de qualquer tipos -
mas sim, uma espécie de sistema nervoso central, levando,
através das suas arestas, energia e todo o tipo de meios
e sistemas de comunicação, tornando-o algo como
um organismo vivo.
Edifício flutuante que transfere-se entre vários
locais do estuário, animando as mais distantes regiões
- mas que pode igualmente desagregar-se em partes, sectores flutuantes
que espalham-se por outros pontos, ou apenas módulos que
podem juntar-se ou separar-se da estrutura.
Espécie de organismo trabalhando internamente as diferenças
de temperatura entre o frio e o calor, acima e abaixo - produzindo
trocas internas de energia, num equilíbrio endeotérmico.
Um projecto que traz nos seus traços essenciais a contínua
participação do ser humano, até mesmo ao
nível da sua própria elaboração,
da sua própria forma, que nunca é igual.
Tudo lá é mudança.
A mudança apenas pode acontecer com o envolvimento, com
a participação das pessoas.
Esse é o sentido do amor - participação,
partilhando de um mesmo projecto, de um mesmo complexo.
Ideia sobre outras ideias.
Mais que ideia de espaço ou de meta-espaço, hiperespaço.
A mágica Ilha dos Amores de Camões.
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